segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

A sustentabilidade impulsionando a transição para um novo modelo de negócios

O tema sustentabilidade corporativa não é novo, muito pelo contrário. Só esse blog tem quase seis anos. Canibais com garfo e faca foi escrito há quase 20 anos. O Clube de Roma data da década de 60. Não podemos esquecer as previsões trágicas de Malthus, lá em 1800 e bolinha. Mas mesmo não sendo nova, a sustentabilidade caminha a passos lentos, muito lentos.

Apesar disso, ainda que devagar, ainda que em crise existencial, ainda que em crise financeira, falar de sustentabilidade pela ótica da melhoria de processos e da eficiência operacional não é nada surreal. Plenamente aceita pela comunidade empresarial nos dias de hoje, essa visão é fundamental quando atrelamos ganhos sociais e ambientais aos ganhos financeiros.

Acontece que a sustentabilidade do ponto de vista dos processos é, de certa forma, limitada. A partir do momento em que os processos alcançam altos níveis de excelência, ela fica mais difícil e mais cara. E, convenhamos, as empresas continuarão consumindo matéria prima, água, energia, gerando resíduos, emitindo gases de efeito estufa. De forma eficiente, mas, ainda assim, impactando o meio ambiente.

E se a gente pensar que num futuro de longo prazo, mais do que processos eficientes, a sustentabilidade pode colocar em risco a presença de uma empresa no mercado? E se o fantasma da escassez de recursos naturais e das mudanças climáticas tornarem-se realidade a ponto de desestabilizar uma empresa sustentável? E se a maturidade da sociedade reduzir a demanda de um setor de forma que comprometa sua viabilidade econômica?

Perguntas do tipo: “o que acontecerá com a agricultura caso a temperatura global aumente dois graus em 2020?” povoam a mente de pesquisadores e especialistas, pois a escassez de alimentos é uma possibilidade real. Mas e pela ótica corporativa? Como uma empresa de agronegócio tem de lidar, hoje, com a possibilidade de a oferta de alimentos cair a ponto de o preço se tornar inviável à população? Ou então forçar uma inflação que desestabilizará a economia de um país?

No nosso caso, somos um país, fundamentalmente, de commodities, e este é um segmento bastante suscetível aos impactos da sustentabilidade. Com a consolidação da logística reversa, espera-se que haja aumento no descarte correto de resíduos, levando a um aumento da reciclagem. Esse resíduo reciclado poderá ser utilizado pela indústria de transformação, que, com isso, demandará menos matéria prima virgem. E como consequência, a menor demanda de minério virgem, por exemplo, pode impactar o modelo de negócios do setor mineração.

Outo fator importante, é que somado a uma série de regulamentações governamentais, vemos um movimento, principalmente na Europa, de cidades e sociedades se mobilizando em torno de uma economia de baixo carbono. Lembrando que, atualmente, cerca de 80% da energia primária consumida no mundo é à base de carbono (carvão, petróleo e gás). Mas a tendência é mudar.

Além da energia renovável, o investimento em pesquisa e inovação e design sustentável também vão levar as empresas para esse caminho do baixo carbono. A formação de mercado para produtos como biopolímeros e biocombustíveis de segunda e terceira gerações, por exemplo, podem impactar em longo prazo o setor de petróleo e gás de forma que a demanda pela matéria prima se reduza naturalmente. Isso porque nem estou falando de fatores políticos!

Mas não serão apenas as empresas de commodities as únicas cujo modelo de negócios pode ser impactado pela sustentabilidade. Mudanças climáticas, escassez de água, esgotamento de matéria prima e a própria maturidade das sociedades pressionarão empresas de bens de consumo a uma nova postura corporativa aliada à necessidade do desenvolvimento de produtos completamente inovadores. Saí de cena a inovação alcançada pela melhoria de processos e entra a inovação alcançada através de uma nova forma de se utilizar os produtos.

Somado a esses fatores, o consumo mais responsável demandará uma nova postura corporativa, culminando no redesign de diversos tipos de empresas. Empresas estas que precisarão se reinventar em uma sociedade que dará menos espaço para a obsolescência programada e para o consumo desenfreado. Com isso, elas serão impelidas a buscarem um modelo de negócios que promova a transição de uma empresa de produtos para uma empresa de serviços.

Pensar e planejar em muito longo prazo é algo extremamente complexo e difícil. A possibilidade de praticar o exercício de futurologia é grande. Mas a questão é que os cenários apontam para um caminho completamente oposto ao que vem sendo praticado pelas empresas hoje. Empresas estas ainda funcionam com uma mentalidade de empresa do século passado.

Acontece que quando diversos problemas ou restrições ocasionadas pela sustentabilidade eclodirem de verdade, as empresas precisarão estar prontas para um novo modelo de gestão. Só que essa transição é lenta, muito lenta. E para o cenário ganhar contornos ainda mais dramáticos, quando isso acontecer, a sustentabilidade não será vantagem competitiva ou possibilidade de ganhos financeiros. Ela será questão de sobrevivência.

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