segunda-feira, 11 de março de 2019

As perguntas de sustentabilidade que ninguém quer responder


Confesso a vocês que sou uma pessoa cricri. Sim, eu sou. Se me perguntarem uma qualidade minha, digo que é a análise crítica. Porque eu não engulo qualquer coisa e nem me contento com qualquer resposta. Isso é na vida de uma forma geral. Com a sustentabilidade, obviamente, não seria diferente. Tanto que criei este blog há quase 10 anos justamente para dar vazão aos devaneios críticos que tenho sobre como as empresas encaram a sustentabilidade.

Mas ser a cricri, ser aquela que faz as perguntas fora do óbvio tem um preço. Eu quase sempre sou ignorada. E tudo bem por isso. Mas não deixa de ser curioso, já que evidencia o quanto as empresas praticam a sustentabilidade até a página dois. Porque na hora do veja bem, qualquer pergunta um pouquinho mais elaborada ou qualquer pergunta que não seja para elogiar a empresa fica num limbo esperando resposta.

Recentemente uma empresa postou no Linkedin que tinha zerado as emissões de carbono do escritório porque a energia dele era 100% renovável. A empresa postou, isso foi constantemente replicado por vários funcionários a ponto de eu ter passado umas duas semanas toda hora recebendo a notícia no meu feed.

Como esse massacre de réplicas da postagem estava me dando gastura, fiz uma singela pergunta no perfil da empresa: qual método ela tinha utilizado para zerar o carbono, já que energia não é o único fator de emissão? Tirando a minha pergunta, todos os demais comentários eram de parabéns ou elogiando a iniciativa. Todos tiveram réplica ou curtidas. O meu, ah o meu.

Ninguém da empresa teve a pachorra de apagar meu comentário, mas ele, obviamente, foi ignorado. Eu até imagino o porquê disso e até imagino que tenha sido mais culpa da área de comunicação do que da área de sustentabilidade. Mas empresa grande usando mentirinha branca para falar de sustentabilidade não deixa de ser greenwashing.

Na minha opinião, é dever da área de sustentabilidade zelar a informação que a comunicação posta sobre ela para que “mal-entendidos” não ocorram. Afinal, o público médio vai aceitar aquela informação como verdadeira. E se ela não zela, ela dando atestado de conivência. E isso para mim soa tão culpado quanto.

Outro exemplo vindo do Linkedin. Apareceu na minha timeline o post de uma menina que anunciava com muito orgulho que uma empresa de varejo tinha acabado de publicar o seu relatório de sustentabilidade, que era o primeiro relatório integrado do Brasil em 2019, que ele teve uma publicação recorde (realmente, qualquer relatório de sustentabilidade publicado antes de abril é um grande feito, integrado, então, é de ficar de joelhos) e confetes, confetes, confetes. No caso ela é da consultoria que fez o relatório.

Acontece que essa empresa, que foi a primeira a fazer relatório integrado em 2019, que apresentou para o público em tempo recorde um relatório que ninguém vai ler, há alguns anos teve implicação com trabalho escravo em sua cadeia de fornecedores. E no relatório da época não havia uma linha sequer falando sobre algum tipo de ação que ela fazia em relação a isso. Sendo que trabalho escravo é uma questão crítica para o segmento em que essa empresa atua.

Aí, imagina, entre um monte de post confete dando os parabéns, fui lá fazer a pergunta do milhinho: o que hoje, alguns anos depois dessa denúncia, a empresa faz em relação ao trabalho escravo na cadeia de fornecedores? E falei justamente que no relatório do ano em que isso aconteceu não havia nenhuma linha escrita sobre o assunto.

Não vou dizer que fui ignorada, mas... a resposta foi pior. Tipo, foi assim mesmo: eu não sou a pessoa mais indicada para falar do assunto por não ser da empresa. Oi? Oiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii? Quem fez o relatório, meu bem? Qual é a função dele, se não reportar a sustentabilidade da empresa? E nesse caso a coisa é ainda mais estranha, porque, CACETE, fui lá fuxicar o relatório e tem coisa escrita sobre trabalho escravo. Mas é aquilo, me deixou no vácuo e ignorou um público de interesse. Eu poderia me contentar com a não resposta e ter uma impressão ruim do relatório e até do trabalho dela.

Tinha outro exemplo no Linkedin, que o CEO de uma da empresa me ignorou, mas como já tem tempo e eu não lembro direito da história, vamos deixar quieto. A questão é que isso não se resume a Linkedin. É toda hora que acontece. Falemos de eventos. Ah, eventos... agora com essa mania de mandar a pergunta por escrito eu nunca que sou escolhida.

É claro que dou um alívio na barra do palestrante porque quando a pergunta é por papelzinho e eu sou ignorada, isso significa que a pessoa sequer sabe que eu perguntei. Mas aí tem aqueles casos raríssimos de quando consigo superar a barreira do mestre de cerimônias ou de quem seleciona as perguntas.

Aí a coisa fica engraçada. Porque a pergunta é feita. E não raro, um monte, mas um monte de gente enrola, enrola, enrola e responde uma coisa completamente aleatória achando que eu sou otária. A pergunta? Que pergunta, meu filho?

Mas afinal, o que eu quero passar com esse post?

A sustentabilidade das empresas é uma área extremamente sensível e, verdade seja dita, o telhado costuma ser de vidro. Vai ter sempre um lugar em que o calo aperta. E tudo bem por isso. Não existe sustentabilidade corporativa perfeita, sabemos bem que a área não tem apelo estratégico, não costuma ter poder de decisão e muita gente boa faz o que pode.

Só que ao mesmo tempo sei também que quando dá, vai ter aquela sujeirinha sendo empurrada para debaixo do tapete, assim como vai ter alguma história contada pela metade. Porque tem essa também. Vai ter muita empresa floreando a verdade. O tal do carbono zerado com energia renovável. Quem vai contestar, não é mesmo?

Eu vou. Sempre. E quem puder, faça o mesmo.

Porque um dos preceitos mais básicos da sustentabilidade é a transparência. Então, quando alguém tirar a sujeirinha de baixo do tapete, quando alguém perguntar pela outra metade da história, não faça a egípcia. Se a sua empresa não está disposta a, pelo menos. responder uma pergunta crítica, volta para o casulo porque não, ela não pode ser chamada de sustentável.


3 comentários:

Hugo Penteado disse...

Excelente. Mostrar essa realidade para as pessoas ganharem mais senso crítico e quem sabe fazer com que as empresas parem de assumir que não há vida inteligente na Terra.

Wagney Castricini Raminelli disse...

Excelente!! Ser atuante e realizador, ao invés de trabalhar com foco no fortalecimento do branding da empresa "com responsabilidade ambiental".

Carolina Prazeres disse...

O mínimo que poderiam fazer era assumir e tentar corrigir ou melhorar ou diminuir. Mas infelizmente eles ainda veem isso como gasto e não como investimento.