terça-feira, 30 de abril de 2019

A sustentabilidade forçando as empresas a inovarem

Ok, esse título é quase um click bait. Quase. Não falarei exatamente de como a sustentabilidade está forçando as empresas a inovarem, mas de como ela está forçando o setor de petróleo e gás a inovar.

Porque, na verdade, essa foi a pesquisa base da minha dissertação de mestrado: como a sustentabilidade é um dos fatores que está impactando a indústria de óleo e gás e como isso vem forçando as empresas a mudarem seus modelos de negócio. Como entreguei a dissertação para o orientador fazer os ajustes há cinco dias (por isso, inclusive, a não atualização do blog nas duas últimas semanas), está tudo muito fresco na minha cabeça e acho que vale a pena compartilhar um resumão da minha odisseia nestes dois últimos anos.

Pois bem, há quase três anos escrevi um texto aqui falando das perspectivas da sustentabilidade corporativa. Na verdade, falei das várias evoluções que a área passou e vem passando desde quando ela entrou no radar das empresas. Falei do passo inicial, que é a área de responsabilidade social / ambiental, da sustentabilidade atrelada aos processos, do planejamento estratégico sustentável, da economia da sustentabilidade e da inovação para a sustentabilidade.

Tirando economia da sustentabilidade, todas as outras já são relativamente familiares no ambiente corporativo, apesar de nem todas as empresas colocarem todas as perspectivas em prática. Lembrando que fazer planejamento estratégico sustentável, por exemplo, não exime a empresa do compromisso em manter ações sociais e ambientais com seus stakeholders e muito menos inserir a sustentabilidade em seus processos de negócios e de produção.

Mas vamos lá, eu quero falar do que no texto citado chamo de uma mistura da fase 3.5 e da 4.0, a inovação para a sustentabilidade e a economia da sustentabilidade. Por inovação, a gente entende uma infinidade de possibilidades, apesar de as pessoas, imediatamente, associarem a novos produtos. Pode ser processo (apesar de haver um grande embate sobre até que ponto fazer diferente a mesma coisa ou melhorar o que está sendo feito é inovação), mas pode ser também modelo de negócios. E é nisso que quero chegar.

Para quem não sabe, o meu mestrado é em engenharia de produção, na linha de gestão e inovação. Para pesquisar o futuro do modelo de negócios no setor de petróleo e gás, utilizei a premissa que o setor de energia chama de 3Ds: descarbonização, descentralização e digitalização. Mas antes de eu falar sobre os 3Ds, deixa eu explicar o que lá no texto de 2016 chamo de sustentabilidade fase 3.5.

No futuro já nem tão em médio prazo, mas ainda não exatamente em curto prazo, a sustentabilidade vai gerar impactos tão profundos nas empresas, mas tão profundos, que nem RSA, processos sustentáveis e nem planejamento estratégico sustentável, juntos, serão suficientes. O impacto será no nível de modelo de negócios. E aí que entram os 3Ds da energia.

A descarbonização da economia como um todo é um fator crítico para o planeta, já que estamos na iminência das mudanças climáticas. Só que é especialmente ainda mais crítico para a indústria de petróleo e gás porque esta é, fundamentalmente, um setor intensivo em carbono e outros gases responsáveis pelo aquecimento global.

A digitalização e a presença forte da tecnologia no setor energético vão tornar viáveis o uso massivo da energia limpa e renovável, além das baterias Se levarmos em conta que, hoje, 94% da matriz energética de transporte têm como fonte primária os combustíveis fósseis, conseguir viabilizar o fornecimento contínuo de energia limpa e resolver a questão da autonomia dos veículos elétricos, oops Houston, temos um problema. Quer dizer, um problema para o setor de petróleo e gás.

Sobre a eletrificação do transporte, a coisa está tão frenética, que os relatórios globais de energia têm de refazer suas projeções ano a ano. E não são pequenos ajustes não, é coisa grande. Em 2017, por exemplo, o relatório da BP estimou para um cenário de referência a presença de 100 milhões de carros elétricos em 2035. Isso num universo total de 2 bilhões de automóveis. Em 2018, a projeção foi revista e já se estima 190 milhões de carros elétricos no planeta no período. Em um ano a projeção mudou em 90%. Isso no cenário mais chinfrim que tem. O otimista vai para a casa dos 320 milhões em 2035 e 500 milhões em 2040.

Somado a tudo isso, tem o D da descentralização. A descentralização vai colocar o setor energético inteiro de ponta cabeça, já que mudará por completo aquilo que se faz todo dia sempre igual há uns 100 anos ou mais, que é o modelo de geração. Com ela, a descentralização, nós, reles mortais, nos tornamos protagonistas e podemos produzir nossa própria energia.

Tá, mas e o petróleo? Voltemos ao petróleo. Um dado que eu não disse é que, hoje, 58% do petróleo e gás vão para energia de transporte. Sabendo que o futuro do setor é a eletrificação e antes disso a eficiência, podemos imaginar o tamanho do problema, certo? E se eu disser pra vocês que outros 14% vão para a indústria petroquímica, que está sendo metralhada por conta de seu principal produto, o plástico?

Não sei se sabem, mas 127 países já possuem alguma restrição ao uso do plástico chamado “single-use”, que é 70% da produção de plásticos. Sem contar que daqui a 2 anos, eu disse DOIS ANOS, entra em vigor uma regulamentação super restritiva ao plástico de uso único na Europa. Não sei se sabem, mas a bola de neve que virou a proibição dos países à circulação de veículos com motores a combustão começou na Alemanha em 2016* e foi se espalhando pelo mundo, já tendo chegado, até, na China e na Índia, os dois países com mais gente no mundo. Do the math.

Enfim, o assunto é muito mais extenso (foram 104 páginas de dissertação), tem muito mais detalhes, mas a questão é que as empresas de petróleo e gás entenderam o recado e entenderam rápido. Hoje a maioria já se posiciona como empresa de energia. E mesmo aquelas que no início da década de 2010 se desfizeram se seus ativos de energia limpa, já voltaram para a jogada. Porque elas entenderam que o petróleo não vai acabar porque ele é um recurso finito, mas sim porque o planeta não quer mais ele.
 
Mas enfim novamente, o que eu quero dizer com esse post, é que no futuro a tônica da sustentabilidade corporativa será essa. Ela, a sustentabilidade, sem dó nem piedade, vai forçar as empresas a mudarem seus modelos de negócio. A indústria do petróleo talvez seja a primeira, mas muitas outras rainhas do século XX virão à rebote, como a mineração e a indústria automobilística, por exemplo.

E para elas e muitas outras, não vai adiantar dizer que faz manufatura avançada, indústria 4.0, digitalização e um monte de bla bla bla corporativo que está na moda. Por isso, lá no fundo, nada mais é que fazer de forma diferente a mesma coisa de 1900 e bolinha. A questão aqui é mais frenética. É simplesmente mudar o modelo de negócios. Ou cair fora.

E a sua empresa, o que ela está fazendo hoje pela sustentabilidade para se manter na jogada amanhã?


* Essa matéria do dia 08 de outubro de 2016 falando da proibição que o parlamento alemão tinha aprovado para a circulação de veículos com motores à combustão interna a partir de 2030 foi que me deu o estalo para largar o mestrado que estava fazendo e começar outro do zero. Comentei brevemente sobre isso no meu Linkedin: https://www.linkedin.com/feed/update/urn:li:activity:6526247193366577152

** Recomendo lindamente, a quem tiver interesse, a leitura do relatório de cenários da Shell lançado no ano passado. Nele, a empresa projeta 2070 com 16% de petróleo e gás no mix energético. DEZESSEIS POR CENTO. Hoje isso está em 54%. Dá pra baixar por aqui: https://www.shell.com/energy-and-innovation/the-energy-future/scenarios/shell-scenario-sky.html

1 comentários:

Unknown disse...

Oi Ju, para se manter na jogada tivemos a honra de ter um treinamento contigo e estamos avançando em tudo que discutimos e refletimos. A passos lentos mas estamos desbravando, principalmente atitudes.