terça-feira, 17 de novembro de 2015

O que o relatório de sustentabilidade da Samarco pode dizer sobre o maior desastre ambiental do Brasil?

Muito já se falou, muito já se escreveu, muita gente com muito mais experiência em meio ambiente do que eu já emitiu sua opinião. E concordo com a maioria das coisas que são escritas a respeito desse que é o maior desastre ambiental do país e foi ocasionado pela Samarco em Minas Gerais e no Espírito Santo. Não quero falar mais do mesmo. Até porque se quisesse, iria pagar um micão. Estou praticamente duas semanas atrasada para isso.

Assim como fiz com o derramamento de óleo no Golfo do México, assim como fiz com o escândalo de mão de obra escrava da Renner, assim como fiz com o caso de corrupção das construtoras acusadas na Lava Jato, eu gosto de contrapor o que essas empresas falam em seus relatórios de sustentabilidade com o que elas praticam efetivamente.

Porque acredito muito pouco no que as empresas comunicam, efetivamente, em relação ao que fazem de sustentabilidade. Porque as empresas se “esquecem” que comunicação é só uma parte do processo e nem de longe é a mais importante da gestão da sustentabilidade. Inclusive, a quem interessar possa, a Vale, dona de metade da Samarco, possui uma gerência dedicada EXCLUSIVAMENTE à elaboração de relatório de sustentabilidade. Seria trágico se não fosse cômico.

Mas enfim, vamos ao que interessa. A primeira coisa que me chamou atenção foi que diretamente pelo site da Samarco, o relatório não está disponível. Aí joguei palavras-chaves no Google, caí num link escondido do site da empresa e, pasmem, o link está fora do ar, o que é muito suspeito. Tive de apelar para a vaidade das empresas especializadas em relatórios de sustentabilidade, que adoram divulgar as obras de arte que fazem para seus clientes e, enfim, consegui o relatório de 2014.

Como já confessei aqui várias vezes, não tenho a menor paciência para ler relatórios de sustentabilidade. Não costumo gostar de obras de ficção. Então fiz buscas rápidas por palavras específicas no relatório da Samarco. A primeira foi Mariana. De 14 resultados, um me chamou bastante atenção. No tópico Licença social para operar e engajamento das comunidades vizinhas, a empresa diz que apresentou um plano Mariana 2030, que propõe ´planejamento sistêmico para o crescimento sustentável do município.

Ué, como assim planejamento sustentável para daqui a 15 anos, se não consegue impedir que uma tragédia anunciada acontecesse nos dias de hoje?

Outro resultado interessante foi que, de forma “voluntária e inédita” (as aspas são uma tentativa minha de ser irônica), a Samarco monitorou as possíveis interferências do Projeto Quarta Pelotização (P4P) nos sete municípios impactados, dentre eles Mariana. Os indicadores monitorados foram: saúde, educação, segurança pública, mobilidade, trabalho e geração de tributos.

Cara Samarco, para que monitorar risco de atividade, impactos no meio ambiente e segurança da população diante da sua operação, não é mesmo? É tão mais bonito e relevante mostrar a quantidade de emprego e imposto gerado para a região, não acha?

Aí cansei de Mariana e fui procurar sobre as barragens do Fundão e de Santarém, as que romperam e causaram toda essa tragédia. Encontrei uma única menção, no tópico que fala de estéril e rejeitos. Aqueles mesmos que o presidente da Samarco garantiu serem inertes e que já está provado que contaminaram a água do Rio Doce com metais pesados.

Pois bem, sobre o Fundão, a empresa afirma que utiliza a metodologia Failure Modes and Effects Analysis para análise e controle de riscos. Que conclusão podemos chegar a respeito dessa tal metodologia? Que ela é, literalmente, failure (falha). Ok, sem piadas infames. Mas, segundo a empresa, essa metodologia avalia, aspas porque vou copiar letra por letra o que está escrito no relatório:

“o potencial de ocorrências e falhas nas barragens, bem como as consequências potenciais sobre a saúde e a segurança das pessoas e do meio ambiente.”

Foi mal, mas a piada infame não foi minha dessa vez.

Ainda segundo o relatório (aspas de novo):

“Sob a ótica da segurança de nossas operações, dispomos do Plano de Ações Emergenciais (PAE) das barragens, que aborda o funcionamento das estruturas de disposição de rejeito e possíveis anomalias ou situações de emergência.”

Entendem porque eu não consigo ler relatórios de sustentabilidade?

Agora independente de quem é a culpa, independente do tempo de resposta da empresa, das multas que serão aplicadas pelo IBAMA, MP e pela esfera cível, independente de qual tragédia é maior ou menor, mais ou menos importante, temos, como cidadão, o dever de ajudar aqueles que estão sofrendo na pele por esse desastre anunciado.

Quem puder ajudar com água, com dinheiro, com transporte, com alimentos, com trabalho para essas pessoas, enfim, qualquer coisa, pois o que essa galera precisa hoje é de menos teoria e mais prática.

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