segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

A sustentabilidade corporativa e os pensamentos elásticos

Quando falo de sustentabilidade, principalmente sustentabilidade corporativa, falo com uma visão muito diferente do que as empresas mostram fazer no seu dia a dia. Por mais que a palavra esteja escrita dessa forma no organograma, a verdade é que a maioria utiliza a mesma lógica racional, mecanicista e linear de sempre. A engenharia (que eu amo, tá gente) foi fundamentada em um modelo de pensamento linear, o nosso sistema econômico foi pensado para ser racional. A nossa sociedade foi criada para ser assim, cartesiana.

Acontece que o novo século chegou e um turbilhão de coisas foi acontecendo. Tecnologia, inovação, bit byte, indústria perdendo o fôlego para empresas cujos ativos intangíveis estão cotados na casa do trilhão, globalização, cadeias de distribuição cada vez mais complexas, “brusinha” de 10 reais vinda da China, que por um acaso vem a ser a nova ordem econômica mundial.

Pá.  O mundo virou de cabeça para baixo.

Aí eu pergunto: quem aguenta lidar com essa pressão?

Tem um físico, que eu amo, chamado Leonard Mlodinow, que fala de pensamentos elásticos. E o que seria isso? Seria mais ou menos a gente sair do modo cartesiano e racional de pensar e ampliar os horizontes, buscar novas premissas e referências, novas visões, fazer coisas diferentes, tentar fazer agora coisas que não deram certo antes...

O pensamento elástico é um pensamento onde as regras não são seguidas, mas sim criadas. Mlodinow parte do princípio que o mundo, até então, foi mudando lentamente ao longo de milhares de anos e isso deu tempo para que pudéssemos evoluir e nos adaptar às mudanças. Mas agora, com as transformações ocorrendo em um piscar de olhos, não há mais esse tempo para que a gente incorpore a mudança em nossas vidas. Tudo ficou muito confuso, daí a necessidade de esticar os pensamentos.

Trazendo o conceito para a sustentabilidade, os pensamentos elásticos vão de encontro ao que outro físico que eu também amo, o Fritjof Capra, prega com a visão sistêmica. A visão sistêmica trabalha por meio de relações, padrões e contextos, onde tudo está correlacionado. É você ter múltiplas visões para uma mesma questão e entender que não é a soma de cada uma delas que vai dar o resultado que a gente quer, mas sim forma como essas visões interagem, se integram e se complementam.

E o que quero dizer quando afirmo lá no primeiro parágrafo que a sustentabilidade que eu acredito é diferente daquela que é praticada no dia-a-dia das empresas? Que mesmo estando na transição da economia industrial para a economia do conhecimento, basicamente o modelo de gestão das empresas é fundamentado em uma lógica cartesiana. Então para elas basta ter uma área de sustentabilidade formalizada e o kit sobrevivência, que vem a ser:

  • Uma carteira com projetos sociais e ambientais (todos atrelados aos ODS, é claro)
  • Área de comunicação que divulgue os feitos de sustentabilidade, afinal, para que fazer se ninguém fica sabendo?
  • Caneca para toda a força de trabalho, pois alguém instituiu que uma empresa só pode ser sustentável se não usar copos de plástico;
  • EaD safado que finge que capacita os funcionários em sustentabilidade;
  • Mudinha de planta (que ninguém vai plantar) entregue no dia da árvore;
  • Relatório de sustentabilidade pra ficar bem na fita, porque, né, todo mundo tem;
  • Foto do CEO com criança melequenta no dia do voluntariado, ilustrando a capa da revista da empresa.
Trazendo a premissa dos pensamentos elásticos para a sustentabilidade corporativa, o que seria, então, o modelo ideal? Poderia inclusive manter o kit sobrevivência (menos o EaD e a mudinha de planta), afinal, não há problema algum em querer capitalizar reputação fazendo coisas bonitinhas. O problema está em só fazer isso. E convenhamos, dá para fazer muito mais do que geralmente é feito e, não raro, sem grandes custos. E com retorno de verdade!

Tipo, vamos pensar. A lógica básica da sustentabilidade moderna é a relação causa x efeito. Partindo, então, dessa premissa, pergunto: como utilizar os indicadores ambientais, que são números brutos e frios, de forma que eles sejam capazes de gerar de valor real para a empresa? O que significa dizer que uma unidade operacional reduziu o desperdício de matéria prima, o consumo de água ou de energia? O que está por trás desses números?

O que a empresa está fazendo de diferente do que ela fazia há 10, 20 anos, que vai além de melhoria de processos e gera impactos positivos de sustentabilidade? Como as áreas da empresa, juntas, podem trabalhar em prol da sustentabilidade? Como a inovação pode ser aliada da sustentabilidade? O que já vem sendo feito aleatoriamente pelas áreas que diz respeito à sustentabilidade e pode ser replicado por outros setores e outras unidades?

Como a sustentabilidade pode ser fator-chave na transição da era industrial para a era do conhecimento? Como a habilidade dos colaboradores, independente do escopo de trabalho, pode me ajudar a alcançar resultados mais sustentáveis em todos os aspectos? Aliás, o que esses colaboradores pensam sobre sustentabilidade? Porque se eles replicam o modelo cartesiano do kit de sobrevivência, a empresa está falhando miseravelmente no caminhar para o futuro.

E aí, meus queridos, se isso estiver realmente acontecendo (e eu acredito que está), vamos ter um problemão. Porque gostem ou não, caminhar ao longo do século XXI tratando a sustentabilidade como ator de segunda classe é dar um tipo no pé. Algumas empresas já sacaram isso e estão correndo atrás. O setor de energia, por exemplo, que o diga. As outras, o tempo dirá.


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