quarta-feira, 15 de abril de 2020

As lições que o corona vírus pode deixar para a sustentabilidade

Sei que já falei sobre corona vírus e sustentabilidade no primeiro episódio do SustentaíCast e sei também que o mundo inteiro basicamente só fala disso. Tipo o que o corona tem a ensinar para a transformação digital, para o RH, para o marketing, etc. O varejo pós corona vírus, o cenário do mercado financeiro com o corona vírus. Enfim, todo mundo está gerando conteúdo sobre qualquer coisa e o corona vírus.

Eu, particularmente, acho isso muito chato. Eu entendo que o mundo está de cabeça para baixo, mas a vida continua. Só que quando a vida se estabilizar, tenho dúvidas se ela vai se normalizar. Porque normalizar parte do pressuposto de voltar ao que era antes. E não creio nenhum pouco que isso irá acontecer.

Quem me conhece ou já foi a alguma palestra minha, me ouviu falar inúmeras vezes que apesar de estarmos em 2020, a verdade é que a gente continua produzindo, consumindo e vivendo pela mesma lógica do século passado. A tecnologia não foi suficiente para mudar a nossa forma de lidar com sustentabilidade e nem com vários outros aspectos críticos da nossa existência.

Na minha humildade opinião, o que em décadas a tecnologia não conseguiu fazer, o corona vírus vai fazer em meses. Entraremos, finalmente, no modo século XXI. Na marra. E já não era hora. Porque a verdade é que o sistema econômico do século XX foi absolutamente insustentável e estava inviável mantê-lo vigente.

Acontece que mesmo sendo um modelo que, claramente, não deu certo, a gente perpetuava até ontem uma lógica de explorar os recursos naturais o máximo que desse, pelo tempo que desse. Somado a isso, tinha também a estratégia de empurrar a uma população que cresce em velocidade exponencial um consumo absolutamente dispensável.

E aí que um tal de corona vírus bateu na nossa porta e do nada passou a impor ao mundo inteiro a necessidade de encontrar novas formas de satisfação que não seja pelo ter. Estamos descobrindo, enfim, que ser feliz adotando um estilo mais minimalista é possível e não é papo de maconheiro ou gente alternativa.

Que fique claro que quando falo de estilo minimalista, nem em sonho estou falando de voto de pobreza. A sustentabilidade, inclusive, nunca pregou isso. E se algum ecochato enche o seu saco dizendo que você não pode fazer um monte de coisas, ele é só isso, um chato. E extremista. Sustentabilidade nunca esteve nos extremos. Pelo contrário, ela é o equilíbrio.

E quando falo desse equilíbrio, de buscar novas formas de satisfação que não seja pelo consumo e que tem como ser feliz adotando uma postura minimalista, estou falando, basicamente, de consumir aquilo que é necessário e focar os sentimentos em experiências e em valores. Acontece que em tempos de pandemia e quarentena, foi exatamente isso que a gente passou a fazer.

Pergunto: tem alguém surtando porque não está podendo comprar o lançamento da semana em uma loja de fast fashion, por exemplo? Quer dizer, até tem como comprar, mas vai usar aonde? Nas lives horrorosas que se disseminaram na mesma velocidade do vírus? Ou na ida ao supermercado, combinando com a máscara de tecido de oncinha?

Acredito, até, que tenha gente surtando por ter o ir e vir limitado, que na verdade será uma nova ordem mundial mesmo com o isolamento sendo reduzido ao longo do tempo. Também imagino muita gente surtando por ter perdido ou por medo de perder o emprego/negócio, assim como também acredito que tenha gente surtando por não saber lidar com a quarentena. Mas será que há um número considerável de pessoas surtadas pela redução do consumo? Acho que não, né?

Acredito que o corona vírus trará um grande ensinamento e que isso será refletido na economia e na sociedade. O novo modelo econômico não será mais o de extrair o que der pelo tempo que for possível e entupir as pessoas com coisas que elas não precisam. A mudança de perspectiva será um grande desafio para as empresas, principalmente as que nasceram no século XX e acham que inovação é fazer transformação digital. Que nada mais é que usar a tecnologia para continuar fazendo as mesmas coisas de sempre.

A economia do século XXI é a economia do conhecimento. A nossa vida será mais desmaterializada, com menos posses e mais direitos de uso. A tecnologia, além de reduzir o tamanho das coisas, nos permitirá estarmos presentes em qualquer espaço. A gente não vai mais comprar produto. Vamos comprar serviços. E com isso as empresas do século passado terão de correr para se reinventar.

Porque elas tiveram 20 anos pra fazer a transição e apostaram que a resiliência faria a corda esticar para, no final das contas, voltar para o que era antes. Não vai ser mais assim. A corda arrebentou e o mundo entrou em modo de disrupção. E que bom que esse momento chegou. A sustentabilidade agradece.

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