segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

O que o relatório de sustentabilidade da Vale diz sobre Brumadinho

Em dezembro de 2014, lembro que a Renner foi acusada de fazer uso de mão de obra análoga à escrava dois dias depois de ser incluída no Índice de Sustentabilidade Empresarial da antiga Bovespa, hoje B3. Na ocasião escrevi um artigo questionando o ISE ter aceito uma empresa com esse passivo (mesmo não sendo a responsável direta). Junto com o questionamento, fui no relatório de sustentabilidade da empresa ver o que ela falava de trabalho escravo. A quem interessar possa, o texto está aqui: https://bit.ly/2WkoXso

Um mês antes, também em 2014, escrevi um artigo cujo tema central era o que os relatórios de sustentabilidade das empresas até então implicadas na Lava Jato falavam sobre corrupção. Em 2015, na época que estourou a barragem de rejeitos de Mariana, fiz a mesma coisa com o relatório de sustentabilidade da Samarco. Aos interessados segue o artigo sobre as empresas da Lava Jato (https://bit.ly/2B3pN3y) e da Samarco (https://bit.ly/2B42E0V).

Meu ponto com esses três artigos é: para que serve, afinal, a porra do relatório? Se tudo está lindo e maravilhoso como todas as empresas reportam, por que acontece tanta merda?  É por causa disso (e de outros horrores) que desde sempre eu tenho pinimba com relatórios. Tipo, não é de hoje, é desde sempre. É desde quando ele era modinha e todas as grandes empresas gastavam rios de dinheiro fazendo uma obra de ficção para chamar de sua.

Pois bem, aproveitando a vibe, peguemos então o último relatório de sustentabilidade da Vale, que é o de 2017, e vejamos o que ela fala de Brumadinho. Das 179 páginas do relatório, temos ZERO, eu disse zero páginas que falam de Brumadinho. Aliás, a palavra, sequer, é mencionada no relatório inteiro. Tentemos Córrego do Feijão: zerinho. Ué... estranho...

Pelo que fui pesquisar na internet, na mina do Córrego do Feijão, a barragem de rejeito que rompeu já não era usada há três anos. Vamos analisar criticamente a informação. Primeiramente, o que são barragens de rejeitos? Grosso modo, é um reservatório que contém a escória do minério. É aquilo que não tem valor econômico no beneficiamento de minério. Apesar de nenhum ou baixo valor econômico, por questões ambientais precisa ser armazenado.

Entendido o conceito, voltemos à informação de que a barragem não era usada pela Vale há três anos. O que ela seria então? Um passivo ambiental? Acho que podemos dizer que sim. Mas tipo, por ser um passivo ainda é responsabilidade da empresa, não? Eu acho que sim. Partindo do princípio que é realmente uma responsabilidade da empresa, por que cargas d’água não há uma linha sequer no relatório de sustentabilidade falando de Brumadinho ou qualquer outra barragem que não é mais utilizada? Esquisito, não?

Então, não satisfeita com esse fato, fui fuxicar o que era falado sobre Mariana no relatório da Vale. Vamos lá. Na busca por palavras chave, Mariana foi citada cinco vezes. Isso mesmo, CINCO VEZES. Considerando que este é o MAIOR DESASTRE AMBIENTAL DO BRASIL, e que tinha ocorrido há pouco mais de um ano (lembrando que o relatório é de 2017), é muito estranho um relatório só falar dele em cinco ocasiões.


Ain, Julianna, mas nesse caso a operadora era a Samarco, a Vale era só uma das controladoras. Eu até concordo, mas nem a mídia, nem você deixa de falar de Mariana sem mencionar a Vale. Então, meus caros, não posso fazer nada, mas esse é um peso que a Vale terá de carregar para o resto da vida. Ainda mais agora.

Mas voltando ao relatório, é muito, muito estranho a Vale falar pouco e falar superficialmente de Mariana. Ainda mais porque mesmo já tendo saído alguns bilhões de sua conta, as multas, vêm sendo proteladas desde o início. Até agosto de 2017 (21 meses após o desastre), apenas 1% das multas tinha sido paga. Isso sem contar o débito com as pessoas impactadas, que está longe de estar quitado, aliás, nem faz cosquinha. Inclusive, esse é um ponto absolutamente nevrálgico.


Lembrando que quando a gente fala de indenização, estamos falando de gente. Gente que perdeu gente, gente que perdeu casa, gente que perdeu seu sustento. Então, mesmo que a Vale esteja pagando às duras penas e morrinhando o quanto pode, é completamente imoral ela não ser transparente com a sociedade em relação ao maior desastre ambiental do país. Não, Vale, não é pergunta lá no Posto Ipiranga (vulgo Fundação Renova), não. Cabe a você e à Samarco (que nem publica mais relatório de sustentabilidade) assumirem a responsabilidade de dialogar com a população.


Então, como venho dizendo desde quando fui desbravar a área, relatório de sustentabilidade é obra de ficção científica. Está longe, mas muito longe de relatar o mínimo do que seja a realidade da área de sustentabilidade de uma empresa. E na hora do perrengue, aí mesmo que a gente vê o descolamento do que é realmente feito e da história que é contada.

Não se iludam. Relatório de sustentabilidade continua sendo o trelelê que as empresas não têm coragem de parar de fazer, mas é só isso: trelelê. Ele já deixou há um bom tempo de ser o xodó da galera e fiquem de olho porque a modinha agora é todo mundo ter um ODS para chamar de seu. Inclusive esse último relatório da Vale é todo ligado nos ODSs. Coisa linda de Deus. #SQN.

EDIT: Inspirado nesse post (ele não vai admitir), o Julio Campos se aprofundou e foi ler relatórios anteriores da Vale. No de 2016 ele encontrou o seguinte:


O que isso sugere? No mínimo do mínimo que a Vale foi negligente. Mas hoje é fácil entender o que essa informação significa. Mas solta assim e descontextualizada, ela passa batido pela meia dúzia de gatos pingados que leem relatório de sustentabilidade. Agora imaginem quantas pontas soltas não tem por aí nos milhares de relatórios que as empresas divulgam todos os anos? 

Finalizando, em meados de 2017, na segunda temporada do Sustentaí, cujo tema foi sustentabilidade nas profissões, entrevistei a Bernadete Almeida para falar de como o profissional de comunicação corporativa poderia trabalhar a sustentabilidade. Ela foi gerente de comunicação na Vale por bastante tempo e deu uma aula sobre gestão de crise. Além disso, ela falou do maior pesadelo de uma mineradora, que é, justamente, o rompimento de barragem. Vale a pena assistir:


Ah, criei um grupo de sustentabilidade no whatsAPP, o Sustentabiidade BR_v2 (o 1 já está lotado). Quem quiser participar, basta acessar o link https://bit.ly/2Ri94yO e entrar.



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